Literatura e Jaraguá para todos
- Cultura Fluída
- 21 de nov. de 2019
- 8 min de leitura
Democratização da Leitura na Bienal

A nona edição da Bienal Alagoas teve seu início no dia 1º de novembro e, pela primeira vez, tomou o espaço do bairro histórico do Jaraguá. A novidade parece ter encantado o povo alagoano, que esteve presente numa estimativa de 30 mil pessoas por dia de evento. Além dos livros, oficinas, palestras, feirinhas de artesanato e outras dezenas de atividades também chamaram atenção.
O tema “Livro Aberto: Literatura, Liberdade e Autonomia” soou como um estímulo à reflexão do público, tendo em vista o momento político, econômico e social do país. Seguindo esta lógica, as figuras convidadas compuseram uma programação diversa, buscando tornar nítida em cada ação, a proposta do evento. Uma das coordenadoras da Bienal, Carol Almeida, confirmou em entrevista coletiva que o tema foi mesmo uma provocação que visa o contexto político que está sendo vivido. "Estamos num tempo em que a gente tá com um pensamento muito 'castrado', então foi uma provocação para que a gente possa pensar com liberdade e autonomia. Pensar além das palavras, além das ações, pelo menos aqui, deixar fluir", afirmou. Ela exemplifica a palestra da Monja Coen como oportunidade para se expressar sem se preocupar com censuras, "Ontem a palestra da Monja estava lotada e ela falando e se expressando politicamente, podendo falar num espaço aberto. Tem sido muito interessante", disse.
Entre contingenciamento de verbas, declarações e mudanças polêmicas do atual governo sobre a educação, a Bienal ter sido realizada num espaço público, sem custos e ter oferecido atividades didáticas para todas as idades, representou uma luz sobre as perspectivas da sociedade em relação à luta por uma educação democrática e de qualidade. Não só por proporcionar a diversas camadas sociais o contato com a literatura, mas também por reaproximar o povo da Universidade, visto que o evento foi planejado e promovido por uma equipe de mais de 200 pessoas, entre organizadores e monitores, vindas diretamente da UFAL.
A estudante de psicologia Nayara Campos (22), contou que através da Bienal foi possível proporcionar atividades que mostram a contribuição da Universidade Federal para a sociedade. "Eu participo do Pet (Programa de Educação Tutorial) e no total existem 11 Pets no estado de Alagoas. Então decidimos nos reunir pra mostrar nossos trabalhos aqui, inclusive explicar o que é o Pet e a importância dele, além de fazer uma programação diversa que envolvesse a sociedade", explicou.
Porém, ao passo em que se ressalta a interação entre público e Bienal, deve-se analisar se o acesso à leitura é, de fato, igualitário a todos que se interessam. Professora da rede municipal de Penedo, Grécia Maria (45), compartilhou um pouco das dificuldades enfrentadas, em relação ao hábito da leitura, em sua área de atuação. “Nem todos os meus alunos têm acesso pleno à leitura. A gente tem uma grande dificuldade de obter livros que favoreçam uma boa leitura para eles. Nem toda leitura é proveitosa para o ensino médio e para o EJA. Aqueles (alunos) que têm um maior poder aquisitivo conseguem adquirir, mas, para os que não têm, fica um pouco mais escasso”, disse. Quando perguntada sobre o acervo da instituição em que trabalha, Grécia falou sobre o engajamento da comunidade escolar, “Os livros que são fornecidos pela prefeitura, normalmente não servem para os meus alunos, então a gente é que faz campanhas de arrecadação para fortalecer nosso acervo”.
Também sobre o acesso à leitura no estado, o estudante universitário e escritor de livros infantis Vinícius Rudney, (19), ressaltou a necessidade de uma reestruturação educacional, “Nas escolas públicas do interior, por exemplo, o acesso é muito restrito e a forma de ensino é muito direcionada, o que acaba limitando aquele aluno. Então, quando ele chega no ensino médio e precisa encarar as leituras obrigatórias de clássicos da literatura brasileira, normalmente, não é algo atrativo. Essa reestruturação educacional é necessária, tanto para democratizar a linguagem, quanto para tornar a leitura algo mais cativante para diversos públicos”. Em Maceió, o projeto “Vale-Livro” é uma iniciativa da prefeitura municipal que está em funcionamento há algumas edições da Bienal do Livro. O objetivo é proporcionar aos alunos de escolas públicas um crédito no valor de quinze reais, que funciona como ajuda de custo para a aquisição de livros.
Os valores elevados dos livros expostos na feira também chamaram atenção no evento, pois se encontravam iguais ou superiores aos encontrados em livrarias presentes em shoppings e outros comércios do estado. O professor universitário de filosofia, Magno Francisco (33), trata da acessibilidade aos livros em meio ao momento de crise economia no país. "A bienal é muito importante, mas é preciso reconhecer que o preço dos livros não atendem ao perfil do povo alagoano. 50% das pessoas do nosso estado vivem com até um salário mínimo, então um livro que custa 100 reais é completamente fora da realidade de Alagoas e do Brasil", explicou. "O acesso ao livro é, de fato, elitizado, ainda que o evento não seja, (...) mas a Bienal não deixa de desempenhar um papel importante até porque o contato gera um certo estímulo". Apesar disso, ainda era possível encontrar títulos não tão procurados com grandes descontos nas bancas de editoras independentes por, em média, 10 reais.
O Jaraguá também é seu

Cercado por prédios que contam a história de Maceió, o bairro do Jaraguá ganhou vida na última semana devido à realização da 9ª edição da Bienal do Livro de Alagoas. O evento voltou os olhos de toda a sociedade alagoana para as belas ruas que, um dia já foram ilustres, mas ultimamente viviam numa situação de abandono parcial, salvas apenas por algumas instituições públicas que lá funcionam. Sob toda a atmosfera provocada pela feira de livros, havia um clima festivo entre os visitantes e todos comentavam algo em comum: como a ocupação daquele espaço era benéfica à cidade, não só geograficamente, como também de modo a culturalizar aquele ambiente.
Em entrevista coletiva, uma das coordenadoras do evento, Carol Almeida, disse que "o bairro do Jaraguá foi escolhido por ser um bairro histórico, pela configuração dos prédios e porque casou com o tema 'Livro Aberto: Leitura, Liberdade e Autonomia'. Então existe a ideia da gente ter a liberdade de circular pelas ruas e tomar os prédios, praças e espaços como nossos." Ao ser perguntada, ela também afirma que o Jaraguá foi a primeira opção. “A bienal já acontecia aqui, então, pra não ficar tão distante da realidade na qual ela já ocorria, a gente pensou no Jaraguá. Até mesmo por conta do charme do bairro, as prévias carnavalescas são aqui, então fomos em busca da logística para fazer funcionar".
Além disso, Carol ainda mencionou um pouco sobre como ocorreu a organização dos espaços. "A comissão se organizou e chegou a um consenso. Pensamos 'vamos colocar um palco aberto na praça para que as pessoas possam chegar, colocar os parceiros na Associação Comercial, a feira de livros vai ser no Espaço Armazém (...)'. Então fomos decidindo assim. O Espaço Sesc acabou ficando no IPHAN; no Misa, atividades da Secretaria de Cultura no térreo e nossas atividades no auditório; e o Pavilhão das Oficinas (…), a gente não tinha esse espaço pronto, mas providenciou toda essa estrutura para que fosse possível abrigar oficinas, mesas redondas, palestras (…). Ficou batizado de Pavilhão das Oficinas, mas também acontecem outras atividades", explicou.
A estratégia parece ter funcionado muito bem, pois era nítida a admiração do público pelo novo formato da feira. Durante o circuito Bienal, os visitantes não perdiam uma única oportunidade de registrar o momento. Os jovens se mostravam encantados pelo “tesouro” escondido dentro de sua casa e os mais velhos, tomados pela sensação de nostalgia que a própria Rua Sá e Albuquerque é capaz de causar. A assistente de projetos Maria Caroline (29) se mostrou muito satisfeita com a ocupação das ruas históricas. “O Jaraguá que eu conhecia era o da minha adolescência. Por aqui existiam muitas casas de show, era um espaço em que a gente vinha para buscar entretenimento, eu mesma adorava frequentar as festinhas no Rex (risos). Mas com o tempo ele se tornou um bairro muito comercial, cheio de bancos e estruturas públicas. Então, depois do evento, eu acredito que o olhar para o Jaraguá vai ser diferente, ele vai voltar à fase cultural”, disse. A Bienal, democratizou não só o contato com a literatura, como também o contato com a cidade.
A Reitora da Universidade Federal de Alagoas, Valéria Correia, colocou a apropriação do bairro como uma missão de sua gestão para estreitar os laços entre a população, a Universidade e a cidade de Maceió. A magnífica ainda afirma que em tempos sombrios como o que vivemos, o papel da universidade é abraçar a sociedade e promover a interação com a cultura e os prédios históricos.
Apesar do enorme sucesso da feira, alguns visitantes pontuaram uma pequena falha na divulgação da nova configuração da Bienal, já que o Jaraguá deixou de ser um mero cenário e passou a protagonizar o evento. “A Universidade poderia ter explorado mais o aspecto de trazer o evento para um espaço aberto, principalmente sendo um local histórico, inclusive explicando as razões de ter havido a mudança em relação ao Centro de Convenções”, disse o professor universitário Magno Francisco, e continuou “particularmente, eu vejo que o ambiente se tornou muito mais agradável para a recepção de públicos diversos, a circulação foi otimizada pela amplitude do espaço. Além disso foi uma oportunidade proporcionada aos alunos de escolas públicas periféricas, essa proximidade com a história que envolve o Jaraguá”.
Quando questionada a respeito dos preparativos para a próxima edição da bienal, Carol Almeida afirmou sentir emoção em visualizar o que o evento se tornou. "A sensação de olhar pra rua e ver a rua cheia é gratificante, por vários momentos já me emocionei aqui olhando e vendo as coisas acontecendo", disse. Ela ainda brincou que não há pretensão de voltar ao antigo local da feira, no Centro de Convenções pois, "corremos sério risco de ‘apanhar’ (risos). Acho que o espaço já conquistou o público pelo feedback que a gente tá tendo e não dá pra voltar ao formato que era antes. Acho que a tendência é crescer daqui pra frente".
O Jaraguá histórico
Diante da visão do Jaraguá repleto de atividades e com o vai e vem de, aproximadamente, mais de 300 mil visitantes, vale a pena relembrar um pouquinho da história dos prédios que integraram o verdadeiro espetáculo que foi a programação da 9ª edição da Bienal do Livro de Alagoas.
Lá no início da rua Sá e Albuquerque, mais precisamente no número 157, damos de cara com o IPHAN. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de Alagoas é responsável por recuperar e restaurar patrimônios históricos e entregá-los à sociedade. O instituto concedeu seu espaço para as exposições de arte que aconteceram no local e foram abertas ao público. Logo mais a frente, encontramos o Museu da Imagem e do Som - MISA, criado em 3 de setembro de 1981. Lá estão expostas imagens, audiovisuais e até mesmo equipamentos, de grande parte da história do estado a partir do século 19. O museu é aberto para visitação das terças às sextas, das 8h às 17h.
A Praça Dois Leões por sua vez, foi palco de muitas atrações e lugar de aconchego durante o evento. Enquanto artistas se apresentavam num palco aberto, a feirinha gerava movimentação e a praça de alimentação exalava os aromas de um cardápio diverso. E aos interessados num lugar mais silencioso, a capela de Nossa Senhora Mãe do Povo ergue-se logo adiante. Alguns passos a mais e nos encontramos no Espaço Armazém, prédio de arquitetura belíssima e que foi responsável por abrigar todos os stands de livro desta edição.
Ao fim do circuito, avistamos a Associação Comercial, com sua escadaria extensa, palco dos maiores encontros promovidos pelo evento. É a entidade que mais representa a classe empresarial no estado de Alagoas e uma das principais do Brasil. Com um design que dá vida ao bairro, as luzes de suas pilastras foram com certeza um destaque na programação noturna.
Galeria de fotos
Por: Ana Paula Bessa, Letícia Ramos e Virna Pereira.
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