top of page

Beco da Rapariga: Uma Ocupação Criativa na Bienal

  • Foto do escritor: Cultura Fluída
    Cultura Fluída
  • 21 de nov. de 2019
  • 9 min de leitura

Por: José Maurício, Leonardo André e Letícia Aguiar


Feirinha Cool: Pioneirismo e Criatividade


Peças de artesanato, bottons, plantas, acessórios... Por mais distintos que possam parecer tais produtos, todos se encontram reunidos à venda em um único ambiente: a Feirinha Cool, presente esse ano na IX Bienal do Livro de Alagoas. O evento, que costumava ocorrer regularmente no Centro de Convenções, ocupou ruas e prédios do bairro histórico do Jaraguá em sua nona edição, e entre os espaços utilizados está o Beco da Rapariga Desconhecida, onde a feirinha ficou hospedada ao longo dos dez dias de duração.


Feirinha Cool / Foto: Leonardo André

Surgida em meados de 2016, a partir do desejo da assistente social Maria Helena Veiga (35), mais conhecida por Lena, de obter uma renda extra com uma camiseteria, a feirinha nasceu da falta que Lena tinha de um lugar onde pudesse vender suas camisas e outros produtos alternativos de forma não clandestina. A primeira edição ocorreu no corredor Vera Arruda, localizado no bairro da Jatiúca, em uma época em que estava totalmente deteriorado. Mesmo sob muitas críticas, os vendedores concordaram que fosse naquela localização e tudo foi um grande sucesso. “A gente reabriu as portas do corredor Vera Arruda”, brinca Lena, tendo em vista que diversos eventos passaram a acontecer no corredor após o estrondoso sucesso da Feirinha Cool.


O objetivo inicial sempre foi ocupar espaços públicos, mesmo tendo algumas edições em ambientes privados, como teatros e espaços de food truck. O nome vem através da busca de um título diferenciado e que tivesse uma pegada mais criativa e moderna, daí vem o cool, “legal” em inglês. A Feirinha Cool é pioneira em Alagoas quanto à nomenclatura de “feirinha” e esse formato mais despojado, abrindo portas para outras, como a Feirinha Empoderada. Seus frequentadores encontram mais que apenas produtos sendo comercializados, mas também intervenções artísticas ou rodas de conversa sobre os mais diversos assuntos.

Lena, idealizadora da Feirinha Cool / Foto: Leonardo André

Apesar da presença de artesãos entre os vendedores, a Feirinha Cool deixa bem claro que não é uma feira de artesanato, mas de produtos criativos, pois nem todo trabalho manual pode ser considerado artesanato. Ser criativo, segundo Lena, é “buscar solucionar velhos problemas com novas soluções”. Quanto ao funcionamento da feirinha, os “criativos”, como são chamados os vendedores, se inscrevem através de um formulário divulgado previamente nas redes sociais da feirinha e pagam para adquirir um determinado espaço para ocupar, concordando em seguir as regras quanto aos horários, etc. Os inscritos passam por um processo de curadoria e são selecionados baseando-se em fatores como o ambiente no qual a feirinha estará inserida ou a época em que vai ocorrer, por isso os criativos não são necessariamente fixos em todas as edições, ocorrendo cerca de vinte mostras anuais.


Existe um projeto de levar a feirinha para regiões mais periféricas, mas ainda não ocorreu por receio dos criativos em acabar não realizando vendas, pois a feirinha é autossustentável e não recebe nenhum investimento além do valor de inscrição dos vendedores.

Consumidores observam os produtos de um doa "criativos" / Foto: Leonardo André"

Em relação à localização no Beco da Rapariga Desconhecida, decidida através de reuniões entre os organizadores da bienal e os criativos da feirinha, Lena afirma:” A feirinha cool ser no beco da rapariga está sendo interessante por ser um local muito histórico, o qual as pessoas mais velhas sempre têm alguma história pra contar”. Outro ponto enfatizado por ela é que o beco acaba sendo um ponto estratégico entre a associação comercial, palco principal do evento, e o armazém usina, onde estão armazenados os livros. A produção da bienal entrou em contato com os comerciantes dos estabelecimentos fixos do beco e todos aceitaram de maneira positiva o espaço sendo ocupado pela feirinha, tendo em vista que acaba atraindo mais público.


Essa não é a primeira vez da Feirinha Cool no bairro do Jaraguá, mas é uma experiência completamente diferente estando vinculada a um evento do porte da Bienal do Livro. “Por ser um evento literário, a feirinha está lidando com um público totalmente novo, o público escolar, o que faz com que os alunos tenham um primeiro contato com empreendimentos desse tipo”, Lena nos conta.


Entre os criativos está Flávia Amorim (19), estudante de Direito que tem como produto o mel extraído na apicultura da família no interior de Pernambuco e trazido para Maceió a fim de ser comercializado. Ela nos conta que conheceu a feirinha através dos pais que estavam à procura de um espaço para comercializar o produto, encontrando a Feirinha Cool através de pesquisas virtuais e em outras feiras mais convencionais. Quando questionada sobre a importância da feirinha em um ambiente como a bienal e a localização desse evento no bairro histórico do Jaraguá, Flávia diz: “a localização da bienal acaba atraindo as pessoas pra parte mais histórica e cultural da cidade, e colocar a Feirinha Cool em um evento como esse é muito bom pra incentivar as pessoas a conhecer e frequentar feirinhas, o que eu mesma nem conhecia antes dos meus pais falarem”.

Clientes comprando o mel da "criativa" Flávia / Foto: Leonardo André

A opinião de Flávia quanto ao local é semelhante à da publicitária Daiane Fidelis (25), que define a bienal no Jaraguá como um “resgate da identidade da nossa cidade”. Daiane comercializa guloseimas veganas, como pães e bolos, e enxerga a Feirinha Cool como uma chance de reunir vários empreendedores locais de maneira bastante diversa, desde a venda de quadros até peças de madeira feita a mão.


Ainda sobre o bairro de Jaraguá como ambiente da IX Bienal do Livro de Alagoas, o estudante de economia Henrique (22) diz que o evento “É muito bom pro bairro, muito massa. O lado ruim é o calor que faz de andar de um lado pro outro, mas vale a pena. Espero que tenha outros eventos assim envolvendo vários espaços, porque movimenta muito a cultura e a população”.


A feirinha também é espaço de muita visibilidade para os criativos, principalmente em eventos como a bienal, mas foi a partir dela, que anos atrás, alguns vendedores puderam ter seu negócio ampliado. É o caso de Thays Simplício (29). Ela está desde as primeiras feirinhas, através da marcenaria conseguiu abrir sua loja, a Simplicioplanejart, que tem sobretudo o intuito de colocar as mulheres nesse ramo de trabalho. E o mais importante, de acordo com ela, é que a Feirinha Cool consegue proporcionar um espaço de vendas totalmente diferente. “A feirinha tira das quatro paredes o criativo, ela coloca na rua aquela arte que está ali embutidinha sem ninguém conhecer”.


Além de proporcionar uma experiência diferente, tanto ao consumidor quanto ao vendedor, a feirinha ainda é um modo de ocupar esses espaços públicos, de diferentes regiões, indo diretamente às pessoas. Para a arquiteta e vendedora da feirinha, Suzie Cisneiros (52), esse não é só um evento de se vender, mas de fazer política. “É através de diversas edições e ocupações em locais diferentes, que eu não só vendo minhas peças, mas levo ao povo o que é do povo, num espaço público, que também é das pessoas. É acima de tudo, um jeito de fazer política”.


A CASA COOL


Embora as edições anuais da Feirinha sejam itinerantes, existe um espaço chamado de “Casa Cool”, é um lugar fixo onde as pessoas podem encontrar os produtos da feirinha, sendo uma loja colaborativa, pois agrupa produtos de diversos criativos. Ela está localizada no bairro do Farol, contando ainda, com eventos, como shows, lançamento de produtos, sendo uma opção para quem não pode acompanhar as ocupações itinerantes, mas gostaria de ter acesso aos produtos.

Casa Cool / Foto: Maceió 40 Graus


Beco Da Rapariga Desconhecida: História, Cultura e Boemia


Parte final do Beco da Rapariga Desconhecida / Foto: Leonardo André

Vida noturna agitada e ares de boemia, essa era a realidade das ruas de Jaraguá no passado. Junto com sua arquitetura rebuscada e colonial, o bairro passou séculos construindo histórias das mais diversas expressões sociais e culturais. Movimentado pelos prostíbulos, bares, ele abrigou por 70 anos as “raposas do amor”, nome dado as mulheres que faziam a vida noturna ser ainda mais empolgante. Foi por elas, mesmo involuntariamente, que o bairro teve grande fluxo de pessoas, muito diferente dos dias atuais.


Sempre comuns em bairros portuários, ocupavam casas avarandadas de dois andares, que mais tarde seriam patrimônio do local. As prostitutas saíram do bairro no fim dos anos 60, no período da ditadura militar, após um incidente que envolveu a esposa de um poderoso militar da época. É possível dizer hoje, que elas preservaram todo valor arquitetônico e físico desses lugares, e que possivelmente, muitos dos prédios e moradias históricas não estariam conservados. Isso é uma realidade de muitas localidades como Recife Antigo, O Pelourinho, e La Boca, em Buenos Aires.


Mas esse Jaraguá de anos atrás, não foi palco só das raparigas, como também são chamadas. Ele abrigou usinas de açúcar, cafés, barbearias, boates, como a Tamanduá, a Arena. É dentro desse contexto que um grupo de boêmios e intelectuais chamados de Confraria dos Sardinhas resolveu homenagear as grandes responsáveis por tanta movimentação. Apesar de existirem tantos outros estabelecimentos, os cabarés eram os grandes propulsores do fluxo de pessoas e são um marco na memória de muitos. Estava inaugurado então, o Beco da Rapariga Desconhecida, como forma de lembrar quem verdadeiramente trazia vida ao lugar.


Porém, a placa que dava nome ao Beco foi retirada depois de um tempo, quando uma instituição religiosa adquiriu o espaço onde a homenagem ficava, e a primeira atitude tomada foi retirá-la dali. A partir daí, o que se sabe sobre essa rua ficou na memória de quem ali já estava. É o caso de Silvirio José Silva (59), mais conhecido como o Chaveirinho do Jaraguá, ele chegou no bairro por volta dos anos 90 e acompanhou tanto os dias áureos daquelas ruas como a falta de movimento logo após alguns fatores, como a saída das raparigas do lugar, fechamento de usinas e de outros estabelecimentos, além do aumento dos roubos.


Silvirio Silva (Chaveirinho do Jaraguá) em seu ambiente de trabalho / Foto: Leonardo André

Chaveirinho era morador do Pilar. Em 1965, foi para São Miguel dos Campos e depois veio tentar sua vida em Maceió. Trabalhou de motorista particular, de taxista, até estabelecer seu negócio no Jaraguá, dentro do Beco da Rapariga Desconhecida, onde está até hoje. Segundo ele, o bairro é uma paixão sua. “É como se meu umbigo tivesse sido cortado aqui”, disse.


O beco tinha bares, barbeiros, além dos badalados prostíbulos. Seu Chaveirinho comenta sempre histórias de como era o lugar, e guarda fotos que mostra com entusiasmo de uma pessoa que gostava bastante da experiência da época. Ele diz que antes da placa da “rapariga desconhecida”, o local já foi chamado também de Beco do Mijo.


Entre 1998 e 2004, houve um processo de revitalização do bairro, começado pela prefeita Kátia Born, reformando as calçadas, postes de luzes, praças e becos. Esse procedimento também visava criar incentivos para que ocupassem o bairro e fomentasse uma nova esperança turística e social na capital. A curto prazo deu certo, pois restaurantes, bares, boates, discotecas e até livrarias despontaram, mas isso não durou muito.


Vista do chaveiro para o Café do Porto / Foto: Leonardo André

A falta de planejamento fez com que tudo fosse por água abaixo, e logo a insegurança, e falta de movimento vieram. O Beco da Rapariga então sofreu mais um baque, e foi tomado por um clima de pouco movimento, tornando-se um local extremamente sereno e esquisito.


Agora, depois de muito tempo, o bairro da indícios de que pode retornar aos seus tempos áureos, após ser aprovado o projeto de lei que cria incentivos fiscais para o bairro de Jaraguá ser ocupado por comerciantes, empresários e até novos moradores. A Bienal Internacional do Livro de Alagoas, que trouxe movimentação nunca antes vista neste século e instigou a vontade muitos alagoanos em trazer cultura permanente ao lugar.


Há pouco meses, antes de chegar nessas circunstâncias, foi inaugurada uma forrozeria na Rua Sá e Albuquerque, a Etâ Pêga, que até cresceu e hoje é um restaurante que fornece almoço e jantar regional. O estabelecimento fica no mesmo local onde funcionou a igreja evangélica que retirou a homenagem da rapariga desconhecida de sua parede externa. Por conta disso, entusiastas do bairro, como o capitão, morador do Jaraguá e contador de histórias da cidade de Maceió, Carlito Lima, de 80 anos, entraram em contato com a dona da forrozeria, Juliana Montenegro.


Juliana (33), hoje empreendedora, nasceu e se criou na principal avenida do Jaraguá. Ela diz que teve a sorte de brincar em todos os becos e ruas e tem o enorme prazer de acordar e ver o prédio da Associação Comercial ou ver pela janela e dar de cara com o Beco da Rapariga.


Sua empolgação com o bairro foi a proporcional à resposta dada sobre o contato que foi feito com ela sobre a placa. A dona da forrozeria gostou tanto da história da rapariga desconhecida, que propôs ela mesma fazer uma nova chapa de metal, no estilo mais boêmio possível. A data da inauguração foi na sexta-feira, dia 8, durante a Bienal do Livro, pensada estrategicamente por ser um momento que teria um maior fluxo espontâneo de pessoas que passavam por lá e que poderiam descobrir a história. E não foi diferente! Com uma cerimônia com cobertura de vários órgãos da imprensa, a frente do Etâ Pêga teve a companhia de uma multidão cheia de curiosos e prestigiadores do beco. Além disso, foi anunciada uma novidade, o “Forró da Rapariga”, projeto que acontecerá sempre em todo o último domingo do mês, e de forma gratuita e aberta para a população.


Placa do memorial da Rapariga Desconhecida sendo colocada no restaurante Etâ Pêga, início do Beco / Foto: Leonardo André

A instalação da placa no beco representa também um momento de esperança para esse lugar, que vem novamente ganhando visibilidade e movimento, como o surgimento de um café, bares e fortalecimento da tradicional lanchonete Caldilar, e assim como as raparigas ocuparam, também devemos continuar fazendo isso, com cultura e opções de lazer para todos que forem àquele lugar histórico.


Galeria de Fotos





Comments


Post: Blog2_Post

©2019 por Cultura Fluída. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page