Bienal vai além da literatura
- Cultura Fluída
- 22 de nov. de 2019
- 7 min de leitura
Eventos como a Bienal privilegiam a cultura e põe a leitura em evidencia. Mas algo que ficou bastante nítido nessa edição, é que a arte como um todo pôde igualmente se sobressair. Artistas e suas obras serviram não somente como pano de fundo para a literatura, mas também como principais atrações.

Na última semana, de 1 a 10 de novembro, Maceió contou com a 9ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas. O evento, que tradicionalmente ocorrera no Centro de Convenções, contou desta vez com enorme espaço que contemplou desde o Arquivo Público ao envolvente Espaço Rex Bar. Cerca de um quilômetro de atrações, oficinas e exibições, dentro e fora dos prédios históricos que tiveram como foco artes além da literatura como exposições fotográficas, itens de decoração, ilustrações, HQs e mais.
Para onde se caminhava havia algo interessante a ser conferido. O Museu expunha belíssimas esculturas. Os artesãos trouxeram seus bordados, projetos em biscuit ou papel machê. Havia cadernos feitos à mão, bem como pinturas e objetos de adorno. Peças de teatro e música.
Locais como a ‘‘Feirinha Cool’’, espaço destinado à venda dos produtos artesanais dentre outras coisas, garantiram que o público levasse consigo seus suvenires, além do vislumbre artístico do próprio ambiente.
O contato com os artistas que lá estavam também disse bastante sobre a peculiaridade de suas produções. Como foi o caso do fotografo Lula Castello Branco, o Lutello. Ele, que expunha suas obras fotográficas durante os dias de Bienal, conta que fez parte da turma de 84 de jornalismo na Ufal (Universidade Federal de Alagoas). Mesmo antes dessa fase de sua vida, já sabia que lidar com arte era o que lhe importava de fato. “Eu entrava no bloco de comunicação já gritando: Poesia! Poesia! Poesia! E o povo saia de perto. Eu era o terror na época’’.
As fotos de Lutello remontam com uma imensa diversidade as belezas de Alagoas. Há nelas muito da cultura nordestina, como também de sua gente e as sempre estimadas e formosas praias. Ele diz que não existe assim tanto segredo para o que faz. Á parte algumas técnicas, o que norteia seu trabalho é o seu olhar voltado para as sutilezas, dom que sempre sentiu que tivesse.
“Eu sempre tive esse lado da criatividade muito ativo em mim. Embora cursasse jornalismo na faculdade, eu já tive até uma serigrafia, já montei uma agência de criação, comecei a trabalhar com publicidade. Mas sempre enxergando mais esse lado da arte nas coisas’’. Conta.
Lutello tem essa presença marcante. Ele faz bem o gênero clássico do artista que toma Whisky para pintar e fuma enquanto escreve um poema. Não que ele recomende seu estilo de vida boêmio para seus filhos. Não o faria. Mas revela que não trocaria as coisas que faz, pois faz com prazer.
Embora a fotografia profissional já tenha passado por tantos percalços, mesmo porque, na era digital, todos se tornam fotógrafos, o artista fala que não está nem perto de desistir. Ele está na verdade, se reinventando. Portanto moldando seu trabalho para a arte digital, criando desenhos próprios, inclusive.
“Sou um camarada que preza pela liberdade e tento transformar as minhas atitudes em criações significativas. Que é difícil viver da arte, é. Mas estou aqui numa feirinha e noutra, fazendo outros trabalhos para jornais ou eventos. É desse jeito que tento encontrar meu caminho’’.

A arte delas
A Bienal é do livro, mas fomenta um verdadeiro intercâmbio de ideias e explora interação entre a comunidade e a cultura. Subindo a escadaria da Associação Comercial, um dos locais abertos ao evento literário, houve ainda mais elementos artísticos disponíveis para visitação.
A Welma Wanderley (36) faz parte da Nalô, que é uma loja colaborativa onde junto com ela, participam outras nove mulheres, que fazem das suas ideias criativas itens de vestimenta, adorno e decoração. Juntas, elas exibiram na Associação centenas de peças feitas à mão.
O Espaço da Nalô, além de possuir forte viés feminista em sua estrutura, trabalha também com o reaproveitamento de materiais recicláveis para a elaboração da maioria de suas peças. Coisas simples como papelão ou cascas de ovos, viram belas esculturas. Elas estiveram presentes nos dez dias da Bienal e se dizem orgulhosas pela participação.
Os itens que elas preparam lida com a exposição do melhor de cada uma, pois cada qual é responsável por algum material especifico. Uma delas faz bordado, outra esculpe, outra pinta em porcelana e assim por diante. “O que fazemos’’ diz Welma “tem muito a ver com um certo processo artístico de fato. E tem espaço para todas nós, porque cada uma produz aquilo que reflete o seu próprio eu, sua sensibilidade individual’’.

A nova “sede” do evento não foi a única novidade deste ano, o público contou também com o Pina Ilustra, projeto trazido pela Pinacoteca universitária, que mesmo estando com o prédio fechado para reformas, não deixara de marcar presença. Com objetivo de incentivar as produções de histórias em quadrinhos e ilustrações de artistas locais, aconteceu no Salão Nobre da Associação Comercial de Maceió e teve os artistas selecionados e curadoria feitos por intermediário das colaboradoras Janaína Araújo e Mariana Petrovana, do Studio Pau Brasil, que é um coletivo de produção independente.
A curadoria trouxe o Artist's Alley ou também denominado de releitura do "Beco dos artistas", que trata-se de um tipo de espaço onde os quadrinistas independentes expunham seus mais novos trabalhos e usado também para interagir com seu público, esse tipo de feira acontece tradicionalmente em eventos geeks.
“O objetivo é que o Beco dos Artistas oferecido como Pina Ilustra não era que os artistas fossem dispostos normalmente como uma "feira", mas com o contexto de exposição também. Para isso, a Pinacoteca em parceria com o Studio Pau Brasil realizou a curadoria do material desses artistas, foram criados totens e uma estrutura exclusiva para apresentar o material dos artistas. Os visitantes, principalmente o pessoal das escolas, ficaram surpresos com o material que estava sendo exposto e comercializado pelo próprio artista, ainda mais esse sendo um quadrinista ou ilustrador. Era bem comum ouvir as pessoas perguntando "Foi você mesmo que fez isso?" ou "Você é mesmo daqui?", contou Janaína Araujo.

Nossa arte precisa ser mostrada
A curadora do evento nos fala um pouco sobre como foi a experiência pessoal de elaborar o projeto e como é importante para a visibilidade da arte local: “O projeto foi idealizado desde o início do ano, visto a participação do Studio Pau Brasil em eventos fora de Alagoas como o Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ) em Minas Gerais, a Comic Con (nas edições em São Paulo e Recife), o Sana (em Fortaleza), e tantos outros. O Beco dos Artistas (ou Artist Alley) não é uma invenção nossa, já é uma prática realizada por muitos eventos, inclusive um mês antes, nós estávamos no Beco dos Artistas da Bienal de Pernambuco. Nós conseguimos finalmente ter esse espaço voltados para os artistas alagoanos que produzem quadrinhos e ilustrações graças à parceria com a Pinacoteca que enxergou o valor dessa produção para o fomento da cultura e valorização da produção local pelos artistas alagoanos. O público infanto-juvenil, principalmente o que veio através das visitas de escolas, finalmente teve acesso aos artistas alagoanos que produzem um conteúdo que pode se aproximar deles (quadrinhos e ilustrações). A realidade de que existem pessoas que fazem da produção desse tipo de arte um ofício profissional é algo que choca, ainda mais quando este artista vive na sua cidade, tão próximo de você. Essa proximidade entre o público, as obras e os seus respectivos autores é o que o Beco dos Artistas tenta criar e enfatizar.”
Janaína relata também como é sua relação com a arte e como fora a vivência de ter ministrado a Oficina, durante a Bienal, sobre “Como criar sua primeira HQ”: “Profissionalmente, eu trabalho com quadrinhos desde 2012-2013 quando comecei a estudar de fato as narrativas gráficas por meio de um projeto de extensão sobre Sociologia em Quadrinhos do professor Amaro Braga na UFAL. Já houve momentos em que eu pensei em deixar de desenhar, mas como nada acontece por acaso, a Mariana Petrovana (fundadora do Studio Pau Brasil) me fez desistir da ideia de desistir de desenhar.’’
Ela prossegue: “A oficina sobre como criar sua primeira HQ é apenas uma introdução ao conteúdo de fato das HQs. Esse universo é muito amplo e existem muitas formas de se criar uma HQ. O mais importante, na verdade, é fazer a sua primeira HQ. Dificilmente a primeira HQ é perfeita. É natural e esperado que ela tenha diversos erros de construção, de sequência, de acabamento, mas o mais importante é que não há como aprender a fazer uma HQ sem fazer a sua primeira HQ, mesmo com cursos e tutoriais, a experiência individual de aprender por meio da própria produção é insubstituível.’’
Janaína também comentou sobre sua arte que também fora exposta no Beco dos Artistas. “Uma das artes que está nos totens é a minha. É a obra da carta do tarot "A Lua" e ela é uma obra da qual eu me orgulho bastante. Eu produzi essa ilustração quando eu estava morando sozinha, longe dos amigos e iniciando o mestrado em Design. Eu recebi o convite de um grupo de mulheres que, assim como eu, foram selecionadas para participar da Comic Con em 2018. A ideia era que cada uma das mulheres produzisse uma carta do tarot e que nós criássemos o baralho para distribuir a todo mundo que
visitasse as nossas mesas no evento em São Paulo. Por graça do destino, eu acabei sendo uma das organizadoras da proposta do tarot e foi uma das experiências mais agradáveis em projeto colaborativo que eu já tive. Ter essa obra exposta da Bienal do Livro não é apenas ter a oportunidade de expor um "desenho bonito", é a oportunidade que eu tive de contar essa minha história também para outras mulheres que assim como eu gostam de ilustrar, gostam de quadrinhos, e pensam que talvez seja impossível ter sua produção valorizada.
Ao término do bate papo ela conta: “nós orientamos os artistas a sempre produzirem material que fosse acessível financeiramente aos visitantes, ou até mesmo material que pudesse ser distribuído gratuitamente...Esse tipo de representatividade é o que auxilia na aproximação entre a produção de quadrinhos e ilustrações com o público e sua realidade. Além disso, as narrativas gráficas são abordadas como uma mídia de massa, ela é prevista para ser consumida por diversas classes, não apenas aquelas de maior poder aquisitivo. Esses aspectos foram considerados na produção do projeto e no acompanhamento dos artistas, assim como na mediação realizada pela Pinacoteca no contato com a visita das escolas, principalmente, e do público de modo geral, proporcionando momentos em que os próprios artistas eram convidados a falar sobre seus respectivos trabalhos.”
Confira o mais detalhes!
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